quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Perda da Subjetividade (I)

Há uns 18 meses estou envolvido numa pesquisa sobre modernidade e pós-modernidade para fundamentar uma tese sobre as manifestações gráficas a partir da 2ª metade do século XX. Isso me levou a um ponto comum na avaliação de vários filósofos, sociólogos, linguistas, semiólogos e historiadores, de todas as correntes de pensamento, sobre a condição do sujeito no atual cenário:

O homem contemporâneo é, praticamente, um ser sem identidade, sujeito a um mecanismo econômico/temporal que o subjuga incessantemente, destruindo qualquer sinal de subjetividade. Não lhe é permitido parar e refletir sobre sua condição no mundo. Isso foi decretado como superfluo. Esse processo sem pausa está ligado diretamente à tecnologia, e esta adquiriu o papel de fonte de bens econômicos e "culturais". E num último e derradeiro estágio, de meio para suprir as necessidades sociais do individuo.

Essa situacão de aniquilamento do sujeito se esboça no texto "O mal-estar na cultura" de Freud, escrito entre as grandes guerras. A primeira guerra causou um grande desolamento em Freud, o que o levou a considerações sobre a maldade inerente ao homem, seu impulso de morte e a sua morbidez. Lembremos que foi na Primeira guerra onde foram usadas a primeiras armas químicas. O uso da ciencia para aniquilar o homem. Tal proposito levou um certo Einstein a romper com seu colegas cientistas e ser jogado num ostracismo deliberado. Período em que se dedicou integralmente à Teoria da Relatividade, que ele só conseguiu provar graças à ajuda do astrônomo Arthur Eddington, também um anti-belicista. Caso contrario sua teoria teria sido ridicularizada por toda a comunidade cientifica.

Voltemos a Freud. O que é mostrado em todo o texto de Freud é o panorama do homem procurando seu lugar como uma espécie de deus, que através da ciencia, subjuga e destroi outros homens, e o que isto lhe resulta de insatisfação, angústia e vazio. Esse aspecto da dominação do semelhante através da ciencia é um dos pontos comuns entre o "Mal-estar na cultura" e a "Dialética do Esclarecimento" de Horkheimer e Adorno. Este é o ponto comum que me interessa e independe de uma análise marxista. Em Freud trata-se de uma interpretação da humanidade através da mitologia e de fatos observados. Em Horkheimer e Adorno, trata-se de uma avaliação dos caminhos que o homem seguiu, também subjugando o semelhante através da ciencia, mas de uma maneira mais ampla: a destruição dos aspectos subjetivos. Como mencionei anteriormente, a perda da subjetividade é um fator de concordância entre várias correntes de pensamento contemporaneo. Essa destruição dos aspectos subjetivos ocorre quando a razão abandona deliberadamente a mitologia. Tal aspecto já havia sido questionado por Nietzsche em relação a Sócrates, quando este declara a tragédia grega como algo irracional e não portadora de uma beleza verdadeira, pois para Sócrates "uma obra só é bela se obedece à razão". Na visão de Nietzsche, esse racionalismo tem seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e a conduz incessantemente a seus limites onde este se tranforma em arte". Portanto, a racionalidade se torna algo subjetivo novamente. A crítica a esse abandono da mitologia é um dos pontos fundamentais na "Dialética do Esclarecimento", é através do esvaziamento dos mitos na sociedade que o individuo se esvazia também, se coisifica, se planifica como ser. Neste panorama Horkheimer e Adorno concordam com Nietzsche quando afirmam: "enquanto expressão da totalidade, a arte reclama a dignidade do absoluto". Nada carrega tanta identidade subjetiva quanto uma manifestação artística, quando verdadeira.

Céllus

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